quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

122 ANOS DE FAZ DE CONTA E A MAGIA DA ILUSÃO

A plateia estava lotada naquela noite no Grand Café de Paris e todos se assustaram com o que viram, embora os presentes soubessem que a cena não era real, que não se tratava de um trem de verdade, e nisso consistia a grande novidade: a ilusão de que  o que se passava na tela era verdadeiro. Estava criado o mundo do faz de conta, no qual, durante um curto espaço de tempo, tudo era possível. Desde então, é quase impossível descrever a quantidade de sensações que o cinema despertou e ainda hoje desperta no público: alegria, dor, compaixão e, mesmo tendo por objetivo o entretenimento, o cinema muitas vezes levou o homem à reflexão sobre si mesmo ou sobre a humanidade.
         
Isso aconteceu no dia 28 de dezembro de 1895, quando foi apresentada pela primeira vez a mais recente invenção dos irmãos Louis e Auguste Lumière: o cinematógrafo. O objeto que foi apresentado mostrava a imagem de um trem que, aos poucos, chegava à estação e tomava conta da tela inteira. Hoje, essa cena clássica faz parte de todos os documentários sobre a história do cinema.

O cinema surgiu na Europa, mas foi nos Estados Unidos que a história desse meio de projeção se desenvolveu. Vinte anos após a primeira exibição do cinematógrafo, Hollywood já produzia uma de suas grandes obras-primas: “O Nascimento de uma Nação”, do diretor D.W. Griffith, que filmaria, logo em seguida, outro clássico do cinema, “Intolerância”. Em 1927, outra novidade surgia nas telas: o som. O marco ocorreu com o filme “O Cantor de Jazz”, que tinha Al Jolson no elenco. Estreou na noite de 6 de outubro daquele ano e recebeu - junto ao “O Circo”, de Charlie Chaplin -, o Oscar na categoria de filmes especiais.

Assim, tinha início a era de ouro de Hollywood, com suas divas e diretores geniais, como Frank Capra, que iria realizar uma série de filmes bem intencionados e otimistas, feitos sob medida para combater a depressão econômica que os Estados Unidos viviam, cuja mensagem não envelhece jamais e até hoje comovem os fãs da sétima arte no mundo todo.

Ao falar sobre a época de ouro do cinema, alguns marcos não podem ser esquecidos. O ano de 1939 é um deles, considerado um dos mais brilhantes de sua história. Foram filmados, naquele ano, a superprodução “...E o Vento Levou”, com Vivian Leigh; “No Tempo das Diligências”, com John Wayne e direção de John Ford; “Ninotchka”, com Greta Garbo dirigida por Ernst Lubitsch, o mestre da comédia sofisticada; “O Morro dos Ventos Uivantes”, com Laurence Olivier e direção de William Wyler, entre tantos outros. Na França, Jean Renoir filmava seu clássico “Regra do Jogo”.

Na década de 1940, apesar da Segunda Guerra Mundial, Hollywood continuava com a sua produção de clássicos. Podemos destacar “As Vinhas da Ira”, de John Ford, com Henry Fonda; “Cidadão Kane”, com Orson Welles, considerado por muitos o melhor filme de todos os tempos, e “Casablanca”, o predileto de quase todo cinéfilo, com seu elenco impecável e a inesquecível música-tema: “As Time Goes By”.


A GUERRA - Com o início da guerra, a Europa foi atingida no cinema de forma brutal, modificando radicalmente sua estética e linguagem. Já não era possível fabricar sonhos diante da tragédia que o homem provocava a si mesmo. Era preciso analisar de maneira crítica a sociedade que causara tal ruína. O cinema assumiu, assim, outro papel, o de mostrar e discutir a realidade do pós-guerra. Surge na Itália, em 1945, o chamado movimento neorrealista, com o filme “Roma Cidade Aberta”, de Roberto Rossellini.

Na década de 1950, a onda de realismo no cinema transferiu seu centro da Itália para a França, e a temática deixou de ser rural e social para ser urbana e existencial. A sétima arte passou a pensar a sensação de vazio que nasceu no espírito humano ao constatar as atrocidades cometidas pelo homem durante a guerra.

Essa década foi muito produtiva. Foram feitos filmes referentes à mitologia grega, como "Hércules", "Maciste", "Os Filhos do Trovão", protagonizados por Giuliano Gemma, que mais tarde se destacaria com o filme “O Dólar Furado”. Também foram executados filmes históricos, como “Manto Sagrado” e “Helena de Tróia”, com Rossana Podestà e Jacques Sernas. Nessa produção, uma artista morena em início de carreira fez ponta como escrava da Helena de Tróia. Mais tarde, se tornaria uma estrela de ponta, seu nome era Brigitte Bardot.

Nessa mesma década surgiram os estúdios de Walt Disney, que se especializou em filmes para crianças, mas também muito apreciados pelos adultos. Montou o Parque da Disney, na Califórnia (Estados Unidos), e, bem mais tarde, construiu uma réplica em Orlando, na Flórida, um sucesso até hoje. Foram montados também outros parques similares, como em Paris (França), e um na China.

A partir de 1959, com o filme “Acossado”, houve uma ruptura da linguagem cinematográfica, que nos influencia até os dias atuais. Jean-Luc Godard realizou essa película a partir da história de François Truffaut. Era o nascimento da “nouvelle vague”. Já no Brasil, surgia o Cinema Novo, com o filme de Nelson Pereira dos Santos, “Rio, 40 Graus”, em 1955. Nessa mesma época, também é lançado “São Paulo, Sociedade Anônima", ambos sucesso de bilheteria.

Na década de 1970, ocorria outro momento de intensa criatividade, desta vez nos Estados Unidos. Surgia uma figura importantíssima: Steven Spielberg, que rodou, entre tantas películas, “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, “E.T. – O Extraterrestre”, "A Lista de Schindler, “Os Caçadores da Arca Perdida”, “Tubarão”, “O Resgate do Soldado Ryan”, “Indiana Jones e a Última Cruzada”, “Munique”, “Jurassic Park – Parque dos Dinossauros”, “Encurralado”, “Império do Sol”, "Prenda-me se for Capaz”, “A Cor Púrpura”, “Indiana Jones e o Templo da Perdição”, "Minority Report – A Nova Lei” e “Lincoln”.  Surge também o produtor George Lucas, com “Guerra nas Estrelas”, “Star Wars: Episódio IV”, “Loucuras de Verão”, recuperando o espírito de emoção e aventura nas telas e arrecadando milhões de dólares nas bilheterias. Também aparece uma nova linguagem no cinema e os recursos da tecnologia aplicados à sétima arte, provocando alegria, suspense e terror, de forma muito mais intensa do que nas décadas anteriores.

Daí para frente, o cinema só evoluiu, haja vista, as premiações anuais do Oscar, que podem ser pesquisadas pela Internet desde o seu início, em 1927. Até a década de 1990, o filme que mais havia ganhado Oscar era “Ben-Hur”, com 11 estatuetas. Só então veio o filme “Titanic”, que obteve igual número. Mais recentemente, "O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei", que faz parte da trilogia de "O Senhor dos Anéis", de J. R. R. Tolkien, também conquistou 11 estatuetas douradas.

A verdade é que, ao se tornar pública, muitas vezes a obra de um artista toma um rumo totalmente diferente do esperado. Isso vale, por exemplo, para o invento dos irmãos Lumière, o cinematógrafo, projetado inicialmente com objetivo científico.

Daquela época até o filme “Jurassic Park”, quase um século se passou e o cinema várias vezes foi modificado. Mas os sonhos, a ação, o mundo do faz de conta e a magia da ilusão continuaram intactos.   

Fonte: Agência Estado de 1995.

Domingo Glenir Santarnecchi
É jornalista, advogado, escritor, autor do livro São Caetano Di Thiene – o Santo que deu nome à cidade e membro da Academia de Letras da Grande São Paulo.