quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O misterioso curandeiro Vicente

Você já ouviu falar de Vicente, o curandeiro? De seus benzimento e curas? Teve familiares que vieram atrás dele? Então conheça a história desse homem, famoso personagem de São Caetano do Sul. O texto foi escrito por Priscila Gorzoni, pesquisadora e historiadora da Fundação Pró-Memória.

O misterioso curandeiro Vicente

Inaugurado em 1911, o Cemitério São Caetano não é só famoso por ser o primeiro da cidade. O local também é conhecido por ter, entre os seus falecidos, uma das figuras mais enigmáticas da história do município: Vicente, o curandeiro.

Esse famoso personagem era tão conhecido que, ainda hoje, é lembrado pelas romarias de doentes que vinham em busca de milagres e graças. Vicente alcançou o título de curandeiro por ter sido um dos maiores benzedores da região. Sua fama rompia distâncias, dificuldades e crenças, e o seu túmulo, ainda hoje, é um dos mais visitados do cemitério.

Demorou um pouco para eu encontrar a sua sepultura. O cemitério, embora pequeno, é repleto de criptas suntuosas e capelas esculturais. A de Vicente é baixa e simples. Está na parte de cima do sepulcrário, meio esquecido, sujo das folhas das árvores e do pó do tempo. Em meio a esse cenário, vejo a foto do curandeiro. A imagem retrata um homem de chapéu, barbas longas, olhar penetrante e semblante misterioso. Imagino a reação das pessoas ao se depararem com ele.

Contam que Vicente tinha um estilo peculiar de benzer. Ele recebia os doentes na porta de casa, com um caderno nas mãos, no qual anotava os nomes das pessoas e, em frente a eles, marcava uma cruz. Depois disso, Vicente dizia ao visitante que iria colocar seu nome nas luzes e pedia para que ela voltasse daqui a alguns dias. Nada era cobrado por suas curas.

Vicente não gostava que fizessem brincadeiras com os seus benzimentos. Um dia, veio a sua capela dois rapazes que moravam no Bairro do Ipiranga, na capital paulista. Um deles esfregou as mãos na boca, dizendo que sentia dor de dente. Vicente logo percebeu a mentira e disse: “Você veio me debochar. Então, vai ficar com dor de dente mesmo”. Imediatamente, o rapaz jogou-se no chão, com dores terríveis.

A segunda-feira era o dia de maior movimento, porque Vicente não atendia aos domingos. Antes de receber os visitantes, distribuía fichas e atendia rapidamente a cada um, colocando a mão no ombro das pessoas e indicando que passassem adiante. Outra curiosidade de Vicente era atender com a mão direita para cima. Perguntava o nome da pessoa e dizia as perturbações espirituais e as moléstias dos indivíduos. Por fim, recomendava novena.

Vicente morava no Bairro Santa Maria e faleceu em 1925. Por causa dele se criou uma estrada, onde milhares de pessoas passavam, só para conseguir uma cura. Enquanto olho sua foto, fico imaginando como seria receber seus benzimentos. Tenho uma base deles em relatos escritos por Ademir Medici, em seu livro Migração e Urbanização. O jornalista conta um dos casos, o de Caetana Palmiro, que, em 1920, com 2 anos de idade, não conseguia andar. Assim, seus pais resolveram levá-la a Vicente. O curandeiro tirou das mãos um anel de pedra preta e passou em Caetana. Depois, ordenou que a criança fosse levada ao pátio de sua casa, onde começou a andar.

O curandeiro não nasceu em São Caetano, veio com a família de Santo Amaro, entre 1906 e 1909. Era casado com Maria Joaquina de Jesus Vaz Rodrigues Vieira, que, na data do falecimento do marido, tinha 44 anos.

Os romeiros que vinham de longe tinham que ter paciência, pois chegar à casa de Vicente não era tarefa fácil. O casarão do benzedor estava localizado na parte alta do Bairro da Saúde (atual Santa Maria). Eles desembarcavam na estação ferroviária, caminhavam até o centro e entravam na Rua João Pessoa, conhecida na época como Virgilio Rezende. Então, ganhavam a Rua Goiás, que era chamada de Formicida, atingiam a Alameda São Caetano até que, no final da Rua Cassaquera, onde atualmente se encontra a Praça Francisco Pires, ficava a capela de Vicente.

Sua casa era uma fazenda, que tinha uma capela particular junto ao terreiro, toda decorada em tons dourados, pintada com figuras de anjos e santos. No altar de sua casa de orações, existia um Cristo crucificado e a imagem de São Pedro, cujo aniversário, em 29 de junho, era comemorado com festa.

Referência bibliográfica:
MÉDICI, Ademir: Migração e Urbanização: Presença de São Caetano do Sul na região do ABC, Editora Hucitec, São Caetano do Sul, 1993.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Lembranças do Cine Vitória e dos docinhos do Tio Vicente

Você que transita pelo Centro de São Caetano já deve ter reparado em um grande e, hoje, abandonado prédio no cruzamento das ruas Senador Roberto Simonsen e Baraldi. Há aqueles que conheceram o edifício como sendo igreja, bingo. Outros lembram-se dele como uma casa de shows. Mas a maior parte, certamente, se recorda do período em que o prédio abrigou o Cine Vitória, que marcou época em São Caetano.

Para todos vocês e também para aqueles que têm curiosidade em descobrir o que foi este local, boa leitura!!

Aproveitem o espaço dos comentários e nos contem suas lembranças!

Lembranças do Cine Vitória e dos docinhos do Tio Vicente

Priscila Gorzoni*

Andar pelas ruas do Centro de São Caetano é navegar pelas memórias do tempo. Alguns locais ainda guardam lembranças do que foram em nossa infância. Outros nos marcaram tanto, que ainda conseguimos fechar os olhos e vê-los exatamente como eram nas décadas passadas. Um deles é um grande prédio, no cruzamento das ruas Senador Roberto Simonsen e Baraldi. Essa construção, que já foi igreja, bingo e uma famosa casa de shows, um dia acomodou o Cine Vitória, que ainda ocupa o imaginário de muitos moradores da década de 1980.

Observando esse prédio hoje, que apenas lembra o cinema por sua localização, pelos ladrilhos escuros e pelas grandes portas centrais, me recordo da primeira vez que fui ao cinema.

Era então uma sessão das 14h, na qual a famosa matinê de domingo exibiria em primeira mão o filme Marcelino Pão e Vinho. E lá fui eu, acompanhada por minha irmã e minha mãe, comprar o bilhete de entrada. O Cine Vitória era o principal cinema de São Caetano, por isso vivia com longas filas. Majestoso, vivia cheio de gente e lotado de crianças.

Depois desse dia, em que entrei na sala de exibição e vi o tamanho do espaço, nunca mais deixei de visitar o cinema, virei fã. Passaram-se meses, anos, e então foi a vez de conferir E.T. – O Extraterrestre, filme muito concorrido. Para pegar um bom lugar, era preciso chegar bem cedo e enfrentar fila na porta.

Mesmo quando não tinha nada de novo para assistir, eu gostava de passar em frente ao prédio e ver os cartazes das próximas exibições.

Para quem não sabe, o Cine Vitória recebeu esse nome em homenagem ao seu criador, Vittorio Dal´Mas, que chegou ao município aos 12 anos de idade e tornou-se um importante empresário. Ele tinha o sonho de construir um grande edifício em São Caetano, mas só o concretizou após a autonomia político-administrativa do município, em outubro de 1948. Em 1949 foram feitos estudos e projetos do edifício e, em 1950, iniciou-se a construção do prédio.

Em 11 de fevereiro de 1995, o Cine Vitória foi lembrado durante uma palestra feita no prédio da Fundação Pró-Memória pelo engenheiro Mário Dal´Mas. Nela, ele relatou as expectativas da construção do Cine Vitória e o burburinho da cidade na época. Segundo Dal’Mal, as construções eram vistas como uma loucura, diziam que tal edifício não poderia ser comportado pela cidade. No entanto, a família empreendedora continuou firme em seus propósitos até que inaugurou o Cine Vitória em 29 de setembro de 1953 com a presença do então prefeito, Anacleto Campanella. “A avant-première foi patrocinada pelo Rotary de São Caetano do Sul em prol da construção de um posto de puericultura. O filme estrelado era O Falcão Dourado em technicolor”, conta o jornalista Ademir Médici (3). Depois disso, o local viveu seus altos e baixos, chegando a se transformar em dois cinemas: Cine Vitória I e II.

O projeto foi feito com recursos próprios e compreendia cinema, 56 salas comerciais, vários salões de festas e uma galeria de 12 mil metros quadrados. Ao longo dos anos, o prédio abrigou vários departamentos, entre eles os poderes Executivo e Legislativo, cartório, grêmio, sendo, inclusive, palco de exposições de arte (2).

A inauguração do Cine Vitória foi marcada pelo lançamento de uma revista. A publicação fez tanto sucesso, que acabou tendo um segundo número em comemoração ao aniversário da cidade.

Na primeira edição, o Cine Vitória era apresentado ao público como um equipamento de última geração: som e projeção simples X-L, o que o comparava aos melhores cinemas do mundo. Fora isso, os filmes exibidos eram programados pela Companhia Cinematográfica Serrador, Art Palácio, Ipiranga, Bandeirantes, Opera e Broadway.

Desde o início, o Vitória contou com poltronas estofadas, sistema moderno de projeção, acústica e ventilação bem-cuidadas e uma boa visibilidade, já que a sala foi construída em dois planos. Também foi realizado contrato com a Distribuidora Serrador para que os filmes recém-lançados fossem exibidos em primeira mão (4).

Mais tarde, o Vitória viveu sua primeira grande restauração para recuperar seu estilo original e tentar resistir à invasão dos shoppings. Ele ressurgiria com novo sistema de iluminação e som, em um investimento que totalizava 14 milhões de cruzeiros.

É impossível pensar no Cine Vitória e não se lembrar da Doceria Jóia ou do Tio Vicente. A doceria ficava em um local estratégico, na Rua Baraldi, exatamente em frente ao Cine Vitória. Os doces eram magníficos.

Tio Vicente se chamava Vicente Gombi e chegou a São Caetano do Sul em 1953. Nascido na cidade de Rokovci, na antiga Iugoslávia, em 1914, veio para a cidade estimulado pelos amigos que aqui viviam. Primeiro, morou na Vila Paula e teve como emprego carregar barro na Cerâmica São Caetano. Mais tarde, começou a trabalhar no restaurante Rutly como lavador de pratos e ali pegou gosto pela culinária. Em seguida, mudou de emprego, desta vez para uma doceria em São Paulo, sendo que, mais tarde, montou a sua própria doceria, que funcionou até o final da década de 1990.

Assim como a Doceria Jóia, o Cine Vitória perdeu força. Foram substituídos por outros estabelecimentos e a dinâmica da modernidade. No caso do Cine Vitória, a moda de construir cinemas dentro de shoppings enfraqueceu sua majestade e, então, ele se transformou em uma casa de shows.

A derrocada final aconteceu em uma terça-feira, 1° de setembro de 1998. Era então um dia comum, se não fosse pela última sessão de seu funcionamento. Na sala de cinema apenas 100 espectadores assistiram ao filme norte-americano Armageddon.

NOTAS:

(1)   XAVIER, Sônia Maria Franco, Os cinemas de São Caetano- Revista Raízes 39, julho de 1991.
(2)   DAL`MAS, Mário, Edifício Vitória: o ideal de um imigrante, Raízes Julho de 1995.
(3)   Jornal Diário do Grande ABC, Grande ABC Memória, Ademir Médici, setembro de 1953.
(4)   XAVIER, Sônia Maria Franco, Os cinemas de São Caetano- Revista Raízes 39, julho de 1991.

*Priscila Gorzoni é pesquisadora e historiadora da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul.