segunda-feira, 29 de julho de 2013

Um passado diferente

Neste post, a coordenadora da Pinacoteca Municipal de São Caetano, Neusa Schilaro Scaléa, dá a sua opinião sobre mudanças de comportamento da população com relação ao passado, ao antigo. E você, concorda com ela? Deixe-nos sua opinião!

Preservação dos Espaços de Memória

Desde as primeiras experiências de preservação de espaços públicos ou privados, essas ações foram muito bem aceitas e demonstraram grande importância social, especialmente para o bem-estar de moradores de áreas densamente povoadas. A partir de determinado período da História, as ações de resgate de edificações, ou até de grandes áreas, tornaram-se  vinculadores e suportes de ações sociais de interação entre os habitantes e sua cidade.

Não apenas regiões deterioradas pelo seu abandono como habitat, mas também símbolos e signos da ocupação territorial vêm sendo respeitados e conservados, não só como fontes de pesquisas, mas, e principalmente, para serem adequados e oferecidos como novo local de convivência e interação.

Ações que preservam pontos de referência da memória urbana despertam interesse dos poderes públicos, depois que estudiosos, arquitetos, historiadores e outros pesquisadores sociais demonstraram a valiosa relação que o cidadão mantém com os locais que fazem parte de seu entorno. O habitante torna sua a paisagem de seu percurso cotidiano e se interessa, de modo algumas vezes apenas subliminar, pela permanência desse entorno. E naturalmente sente quando as mudanças dessa paisagem são caóticas e inadequadas. Locais que os cidadãos sabem não lhes pertencer pela posse nominal registrada, mas que por frequentá-los - ter deles alguma referência – intuem que lhes diz respeito. Tomam posse deles algumas vezes porque são cenários de sua vida; são cenários palpáveis de fatos anteriores que lhes oferecem algum aconchego histórico, nicho de raízes comuns, nem sempre heroica ou reconhecida nos compêndios de História, mas importantes para grupos e indivíduos como atores nem sempre reconhecidos de seu tempo.

Hoje felizmente sabe-se e se respeita cada vez mais a paisagem urbana, porque já se entende que ela pertence ao habitante da cidade. O contribuinte, como é classificado nas frias anotações das secretarias de Estado, vai se tornando alguém a quem se devem satisfações pelas interferências nessa mesma paisagem. E essas são apenas algumas das razões do por que são sempre bem-vindas ações de preservação do patrimônio edificado ou mesmo de espaços de convivência como parques, praças, trechos de ruas e avenidas etc.

E assim no século XX, em vários pontos do planeta, a preservação ganhou adeptos não só entre poetas saudosistas, historiadores voltados aos grandes feitos que mudaram os rumos de um universo particular ou arqueólogos e estudiosos de arquitetura, mas também entre a população que, durante migrações forçadas ou não, buscam referências que lhes integre ao espaço que compartilham entre si.

Partilhar o espaço onde ocorreram eventos históricos ou apenas partilhar espaços onde se desenrolaram fatos cotidianos e amigáveis equivalem-se. São paisagens de memória e sua importância reside não só em sua utilização, mas no conjunto de fatores que lhes dão sentido.

Por outro lado, há o fenômeno pós-moderno, ilustrado pela proliferação de brechós, feiras de antiguidades, coleções etc. Objetos de uso cotidiano – nem tão antigos - tornados  obsoletos, desnecessários perante novas propostas, novos comportamentos e ações, já não são descartados com tanta facilidade, já não são relegados ao baú dos porões ou ao descarte puro e simples dos desmanches ou da reciclagem. Cada cidadão agora deseja ficar com um pouco de sua trajetória, ou seja, da trajetória de vida de seus antepassados ou antecessores, por meio de objetos-relatos. É o paradoxo de um período classificado como pós-moderno (embora esse termo seja contestado). Há a vontade extrema do consumo da última novidade ao lado da mais antiga peça, que anos atrás estaria reservada a museus, pouco frequentados ou esquecidos.

O crescente interesse por edificações antigas ou relevantes chega a transformar cidades inteiras em sítios preservados, que sensibilizam pessoas de outros lugares, turistas visitantes, e provocam nos próprios habitantes orgulho e respeito. Fotografar com um simples celular, em plataformas midiáticas de última geração um local, um objeto, um edifício que traz em si a feitura, os materiais e as intenções de séculos anteriores é tão sedutor como o último modelo de consumo. Mas há de se ter cuidado, pois modismos passam com facilidade e se esses signos ou símbolos não estiverem ligados a sua esfera de conceitos e ações determinantes serão apenas imagens sem valor, facilmente descartadas. Cabem aos estudiosos, pesquisadores, filósofos, antropólogos, historiadores e cientistas sociais reunir e aclarar as relações que dão sentido a esses signos.