sexta-feira, 6 de março de 2015

Bravas mulheres

A fim de homenagear as mulheres de São Caetano do Sul, que muito contribuem e contribuíram para a formação do município, a Fundação Pró-Memória publica este texto da historiadora e pesquisadora Priscila Gorzoni, ao relembrar as primeiras mulheres que ocuparam esse território.

Boa leitura!

Bravas mulheres

“Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem esses olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha essas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha esse coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por essa mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?”
  
(Cecília Meireles, em Flor de Poemas)

Quando chegaram a São Caetano do Sul, as mulheres não contavam com tantas oportunidades como as de hoje. A vida não foi nada fácil para as antigas sul-são-caetanenses, muitas vezes excluídas dos relatos históricos. Mas parte do que a cidade se tornou devemos a elas.
As primeiras mulheres dessa terra eram índias, provavelmente pertencentes a grande família dos Tupi-guaranis, que ocupava, em 1590, toda a costa brasileira, desde o Nordeste até o Sul. São Caetano do Sul ainda não existia e essa região era conhecida como Tijucuçu.
O pouco que sabemos sobre essas índias era que tinham as atribuições bem definidas, como tecer balaios e redes, produzir utensílios domésticos, cuidar dos filhos e plantar mandioca para a alimentação.

AS ITALIANAS - Por volta de 1877, começaram a chegar os primeiros imigrantes italianos, em sua maioria vindos do Vêneto. Foi a partir desse grupo que surgiu o primeiro Núcleo Colonial da então Fazenda São Caetano. Muitas mulheres compunham esse grupo e aqui cozinhavam, costuravam e lavavam as roupas.
Nada foi fácil para elas nesse começo. Não havia conforto, médicos, transporte, tratamento de água e esgoto, e nem mesmo cemitérios. Relatos sobre essas primeiras sul-são-caetanenses demonstram que o sofrimento não era só com a falta de conforto, mas com o clima e os insetos.
Às mulheres cabiam as atividades domésticas, as costura, rezas, lavagens de roupas nos rios da cidade e, mais tarde, com as olarias, um emprego. Eram nessas olarias que elas faziam dupla jornada.
 Entre vários relatos, destaca-se o de Vergilio Ferrari, que descreve a rotina de sua mãe, obrigada a se sentar sobre montes de tijolos, em frente ao barro, para amamentar os filhos.
Nesses anos de 1890, as mulheres que haviam ficado viúvas também não tinham o direito de assumir a família e, por isso, muitas vezes, perdiam a herança do marido. Sozinha, elas voltavam a ser encaradas como menores de idade, que dependiam de outros para ter os seus direitos respeitados.
Algumas conseguiam superar tantas dificuldades. É o caso de Ângela Garbelotto, que continuou tocando a pequena olaria deixada pelo marido. Outra foi Ana Martorelli que, com a morte do marido, trocou alguns terrenos por uma vaca e nela fez fortuna. Nesses primeiro tempos, a mortalidade era grande, registrava-se um falecimento a cada três dias devido à diarreia, reumatismo e outros problemas. Essas mazelas tornavam a presença feminina ainda mais necessárias na sociedade, pois muitas conheciam ervas e remédios caseiros.
Durante muito tempo, o espaço feminino ficou restrito à casa e aos rios que circulavam a região. Algumas personalidades conseguiam fugir à regra desempenhando atividades informais e nos comércios locais, como Marina Giacomini, também conhecida como “A Carbonara”. Ela tinha um sítio, atrás de uma fábrica de formicida, de onde tirava madeira e vendia em São Paulo. Outra que ficou registrada na história foi Assumpta Sestari, dona de um armazém na década de 1910.
No entanto, a maioria das mulheres desempenhava suas funções e trocava informações em espaços privados. Ao homem, cabia o espaço público, onde se fazia política e negócios.

FORA DE CASA - A partir do final do século 19, essa distinção torna-se turbulenta. Essa situação fica patente na significativa participação feminina nas indústrias da época.
Segundo o sociólogo José de Souza Martins, em 1910, não havia mulheres entre os operários da Fábrica de Formicida Paulista. Isso começa a mudar a partir de 1918. A Matarazzo computava 312 empregados e, entre eles, havia 38 mulheres. Elas faziam parte, em sua maioria, das fábricas de tecelagem e indústrias têxteis, tanto que, em 1912, dos 1.775 operários existentes em sete estabelecimentos fabris, 1.340 eram mulheres, de acordo com dados obtidos pelo Departamento Estadual do Trabalho.
Segundo Martins, foi por meio da fábrica que as mulheres de São Caetano romperam o espaço privado e conquistaram o público. Na política, apenas a partir de 1948, com o movimento autonomista da cidade, começam a aparecer os primeiros nomes femininos, como os de Itália Fiorotti e Olga Montanari.

Referências bibliográficas:

Cotidiano e História em São Caetano do Sul: Adriana M. C. Ramos e Mônica de Souza, Editora Hucitec, Prefeitura de São Caetano do Sul.

As Outras Vozes: Memórias femininas em São Caetano do Sul, Editora Hucitec.

Além dos Fragmentos: o feminismo e a construção do socialismo, Hilary Waiwright, Editora brasiliense, SP.

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