Boa leitura!
Bravas mulheres
“Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim
magro,
nem esses olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha essas mãos sem
força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha esse coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por essa mudança,
Tão simples, tão certa, tão
fácil:
- Em que espelho ficou perdida a
minha face?”
(Cecília Meireles, em Flor de Poemas)
Quando
chegaram a São Caetano do Sul, as mulheres não contavam com tantas
oportunidades como as de hoje. A vida não foi nada fácil para as antigas sul-são-caetanenses,
muitas vezes excluídas dos relatos históricos. Mas parte do que a cidade se
tornou devemos a elas.
As primeiras
mulheres dessa terra eram índias, provavelmente pertencentes a grande família
dos Tupi-guaranis, que ocupava, em 1590, toda a costa brasileira, desde o Nordeste
até o Sul. São Caetano do Sul ainda não existia e essa região era conhecida
como Tijucuçu.
O pouco que sabemos
sobre essas índias era que tinham as atribuições bem definidas, como tecer
balaios e redes, produzir utensílios domésticos, cuidar dos filhos e plantar
mandioca para a alimentação.
AS ITALIANAS - Por volta de 1877, começaram a chegar os primeiros imigrantes
italianos, em sua maioria vindos do Vêneto. Foi a partir desse grupo que surgiu
o primeiro Núcleo Colonial da então Fazenda São Caetano. Muitas mulheres compunham
esse grupo e aqui cozinhavam, costuravam e lavavam as roupas.
Nada foi fácil
para elas nesse começo. Não havia conforto, médicos, transporte, tratamento de água e esgoto, e nem mesmo cemitérios. Relatos sobre essas primeiras sul-são-caetanenses
demonstram que o sofrimento não era só com a falta de conforto, mas com o clima
e os insetos.
Às mulheres
cabiam as atividades domésticas, as costura, rezas, lavagens de roupas nos rios
da cidade e, mais tarde, com as olarias, um emprego. Eram nessas olarias que
elas faziam dupla jornada.
Entre vários relatos, destaca-se o de Vergilio
Ferrari, que descreve a rotina de sua mãe, obrigada a se sentar sobre montes de
tijolos, em frente ao barro, para amamentar os filhos.
Nesses anos de
1890, as mulheres que haviam ficado viúvas também não tinham o direito de
assumir a família e, por isso, muitas vezes, perdiam a herança do marido. Sozinha,
elas voltavam a ser encaradas como menores de idade, que dependiam de outros
para ter os seus direitos respeitados.
Algumas
conseguiam superar tantas dificuldades. É o caso de Ângela Garbelotto, que
continuou tocando a pequena olaria deixada pelo marido. Outra foi Ana
Martorelli que, com a morte do marido, trocou alguns terrenos por uma vaca e
nela fez fortuna. Nesses primeiro tempos, a mortalidade era grande,
registrava-se um falecimento a cada três dias devido à diarreia, reumatismo e
outros problemas. Essas mazelas tornavam a presença feminina ainda mais
necessárias na sociedade, pois muitas conheciam ervas e remédios caseiros.
Durante muito
tempo, o espaço feminino ficou restrito à casa e aos rios que circulavam a
região. Algumas personalidades conseguiam fugir à regra desempenhando
atividades informais e nos comércios locais, como Marina Giacomini, também
conhecida como “A Carbonara”. Ela tinha um sítio, atrás de uma fábrica de
formicida, de onde tirava madeira e vendia em São Paulo. Outra que ficou
registrada na história foi Assumpta Sestari, dona de um armazém na década de 1910.
No entanto, a
maioria das mulheres desempenhava suas funções e trocava informações em espaços
privados. Ao homem, cabia o espaço público, onde se fazia política e negócios.
FORA DE CASA - A partir do final do século 19, essa distinção
torna-se turbulenta. Essa situação fica patente na significativa participação feminina
nas indústrias da época.
Segundo o
sociólogo José de Souza Martins, em 1910, não havia mulheres entre os operários
da Fábrica de Formicida Paulista. Isso começa a mudar a partir de 1918. A
Matarazzo computava 312 empregados e, entre eles, havia 38 mulheres. Elas
faziam parte, em sua maioria, das fábricas de tecelagem e indústrias têxteis,
tanto que, em 1912, dos 1.775 operários existentes em sete estabelecimentos
fabris, 1.340 eram mulheres, de acordo com dados obtidos pelo Departamento
Estadual do Trabalho.
Segundo
Martins, foi por meio da fábrica que as mulheres de São Caetano romperam o espaço
privado e conquistaram o público. Na política, apenas a partir de 1948, com o
movimento autonomista da cidade, começam a aparecer os primeiros nomes
femininos, como os de Itália Fiorotti e Olga Montanari.
Referências bibliográficas:
Cotidiano e História em São Caetano do Sul: Adriana M. C.
Ramos e Mônica de Souza, Editora Hucitec, Prefeitura de São Caetano do Sul.
As Outras Vozes: Memórias femininas em São Caetano do Sul,
Editora Hucitec.
Além dos Fragmentos: o feminismo e a construção do
socialismo, Hilary Waiwright, Editora brasiliense, SP.
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