Desde 14 de janeiro, a Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul promove todas terças, quintas e sábados o Ateliê Experimental de Técnicas de Artes Gráficas com o mestre impressor Roberto Gyarfi, na Casa de Vidro.
As inscrições rapidamente se encerraram, pois todos queriam ter a chance e produzir e conversar com o grande mestre. Durante sua participação nas oficinas, o artista plástico João Alberto Tessarini tem uma outra percepção do evento que se desenrola ao seu redor e resolve escrever o texto nonsense sobre esta experiência.
Num segundo momento, do Barroco ele chega ao Barraco, o qual vocês conferem logo abaixo. Esperamos que vocês apreciem a leitura e se inspirem para escreverem outros textos e nos enviarem para o email jornalismo@fpm.org.br!
BARROCO
Lá
atrás no tempo, lápis só tive toco. Depois vieram aqueles que carregam a cor
pela metade em caixinha de seis. Com prego eu feria a umidade da parede na
tentativa de libertar os encantados que viviam atrás das manchas. Com prego
entalhava a lateral do guarda-roupa, não em busca de formas e sim do inebriante
perfume da imbuia. Nunca perguntei por que, só sentia que precisava daquele
canto do quarto. Bunda no chão de ladrilhos hidráulicos, pernas cruzadas e pés
descalços, camisa quase nunca, o canto quase sempre, o prego um sexto dedo.
Mas,
não era só esse noventa graus que me atraía: o redondo e a penumbra das
passagens gigantes do córrego endireitado pelos adultos; o oco dos troncos
deitados das árvores que já não queriam misturar as nuvens em dia de vento,
assim como pincéis gigantes; no muro os buraquinhos-ninho e os ovinhos de
lagartixa me faziam retornar, dia após dia, na esperança de testemunhar o
nascimento, nunca deu certo, o destino das tantas vezes sempre foi uma
casquinha quebrada e vazia onde eu depositava mais interrogações. Isso não
mudava nada, eu voltava e voltava.
Assim,
ângulos retos, redondos, ocos, tons sobre tons, riscos de luz que atravessavam
as copas das árvores e ficavam tentando furar o chão como a criança que enfia a
cabeça no colo da mãe, talvez fruto de uma espécie de nostalgia de retorno
intra-uterino. O papel manilha e o seu jeito descuidado foi a combinação
perfeita para os meus riscos sem rumo e prumo. Alcançar a outra margem do
córrego montado e escorregando, tronco e pélvis em movimento constante sobre a
bananeira, pintando de nódoa o cavalo do calção foi uma experiência que trouxe
a certeza de que é possível atravessar abismos.
Acabei
de escrever o que você leu. Tive um dia de muito trabalho no ateliê e quis
compartilhar as lembranças que me animaram. Estou conversando com uma pedra,
ela é minha confidente, logo uma nova gravura, uma litogravura. Pássaros de
brinquedo, insetos e um ovo iniciam transbordar do coração calcáreo. A
composição final será transferida com a cumplicidade do mestre impressor sobre
um papel composto por fibras de linho. Eu e a pedra, sem subterfúgios, o gesto
está lá misturado ao acaso da matéria gordurosa depositada com todo o respeito
sobre a superfície polida, um embate que se avizinha e envolve poderoso. Há que
se ter coragem, é sempre a verdade que grava. A pedra não perdoa porque não
julga, mas não esquece. Esse encontro se repetirá? Não sei, mas anseio por ele.
Já
pensei que nunca tive nada em abundância, hoje sei que tive e tenho a poesia de
menino.
BARRACO
Cavaletes e cadeiras brincam embaixo
da mesa. Em cima, as pedras testemunham conversa de gente – elas, as pedras,
claro, manterão segredo absoluto – somente as imagens gravadas serão
compartilhadas. Mais uma vez serei um dos últimos a viver a intensa expectativa
da transferência do gravado para o papel. Dessa vez está existindo um tempo de
espera maior, os bichos que estou desenhando insistem em escapar para os
jardins da praça. Vão e voltam. Eu espero.
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