É com grande prazer que a Fundação abriga esta mostra, que traz um lado pouco conhecido de Anita Malfatti, artista que teve lugar de destaque na vanguarda da arte brasileira e na cultura da Modernidade.
Suas pinturas já são reconhecidas
como obras de arte em todo o mundo, mas agora queremos trazer ao público suas
gravuras. Para complementar o trabalho desenvolvido na Pinacoteca, a Fundação preparou algumas atividades paralelas, entre elas encontros com professores e a palestra Anita Malfatti - Caminhos da Modernidade, que será realizada hoje (16), às 19h, na sede da entidade (Av. Dr. Augusto de Toledo, n° 255, Bairro Santa Paula, São Caetano do Sul). Ela será ministrada pela historiadora da Fundação Pró-Memória Mariana Zenaro.
Para aqueles que já foram visitar a exposição, que pretendem conhecê-la ou ainda querem obter mais informações desta grande pintora, a Pró-Memória convida a ler, refletir e comentar o texto abaixo, escrito por Marta Rossetti Batista e Ana Paula Felicissimo de Camargo Lima, que fizeram parte do projeto de recuperação das matrizes de Anita Malfatti.
Anita Malfatti gravadora - uma
recuperação
Marta Rossetti
Batista e Ana Paula Felicissimo de Camargo Lima, responsáveis pelo projeto
Marco inicial do movimento modernista, com sua
polêmica exposição de 1917/18 em São Paulo, a pintora Anita Malfatti
(1889-1964) é sobejamente reconhecida por aquela produção pioneira, em especial
as telas então apresentadas e novamente exibidas na Semana de Arte Moderna de
1922. Obras como A estudante russa, O japonês e O homem
amarelo, realizadas em 1915/16 e adquiridas anos depois por seu amigo e
incentivador Mário de Andrade. O escritor colecionou ainda outras obras da
artista, entre elas seu retrato e o autorretrato de Anita, testemunhos da
convivência de ambos em 1922. Estes trabalhos introduzem a presente exposição,
dedicada a outro aspecto da obra de Anita Malfatti menos divulgado, a gravura.
Aliás, o colecionador Mário de Andrade também esteve atento a este aspecto,
pois guardou uma gravura da artista, Moça sentada (perfil),
provavelmente realizada na Alemanha (1911/13). Obra que lembra de imediato a
atuação de Anita Malfatti como gravadora nos anos 10 do século XX, com peças
expostas em São Paulo nas mostras históricas de 1917/18 e de 1922. Uma
produção, portanto, também pioneira, que merece ser recuperada. Seriam as
primeiras gravuras modernas executadas por um artista brasileiro.
São raras as informações sobre seu aprendizado na
arte da gravura, e mesmo sobre o total de seus trabalhos, possivelmente não
muito numerosos. Sabe-se que iniciou seu estudo em Berlim, entre 1911 e 1913, e
dedicou-se à gravação em metal. Ao retornar, apresentou sua produção numa
primeira exposição individual em São Paulo, em maio/junho de 1914. Dos 33 itens
listados no catálogo, um bloco se referia às águas-fortes (8 títulos) tendo
como tema retratos e paisagens. Alguns retratos, hoje identificados, mostram
trabalhos sensíveis e delicados, além da experimentação com algumas técnicas.
Em Nova York, continuou a gravar, tendo aulas na Art Students League em 1915 e
1916. Vários destes trabalhos participaram da exposição individual de 1917/18
em São Paulo. Das 53 entradas do catálogo, 11 eram gravuras, especificadas pela
artista como ponta-seca, água-forte, ou água-tinta, duas delas coloridas. Uma
ou duas vinham da fase anterior e outras duas, pelo título, teriam sido
realizadas já no Brasil. Na Semana de Arte Moderna de 1922, no resumo-homenagem
dos modernistas à individual de 1917/18, Anita teria reapresentado possivelmente
duas gravuras da mostra histórica (embora não haja especificação sobre as
técnicas no catálogo).
Após os estágios na Alemanha e nos Estados Unidos,
há indícios, como o apontado, de que por um tempo Anita Malfatti continuou a
gravar, ainda que esporadicamente. Vendeu uma ou outra cópia nas individuais,
deu algumas de presente. Não contava, entretanto, com um possível mercado para
seus trabalhos. Talvez por essa e outras razões tenha deixado a arte da
gravura, não realizando nem mesmo as tiragens habituais de suas matrizes. São
conhecidos raros exemplares de algumas gravuras; sabe-se de outras,
relacionadas nas exposições, nunca localizadas. Assim, o Instituto de Estudos
Brasileiros sente-se honrado em poder recuperar e divulgar parte dessa atividade
pioneira, através da presente exposição.
Esta recuperação parcial tornou-se possível graças à
doação da família Malfatti ao IEB-USP, nas comemorações do centenário de
nascimento da artista, em 1989. A doação incluiu o arquivo pessoal da pintora
(fotos, documentos, manuscritos, catálogos, cartas, recortes), cadernos de
desenho de vários períodos e, ainda, matrizes de gravura localizadas anos
depois do falecimento de Anita Malfatti. Sobreviveram 22 placas de metal
(cobre, zinco, latão e alumínio), uma sem gravação, outras com incisões frente
e verso, correspondendo a 20 obras. Na maioria, trabalhos monocromáticos,
placas de pequena dimensão, revelando texturas e linhas profundamente marcadas,
e retratos simplesmente definidos em linhas incisas. Recuperaram imagens
gravadas na Alemanha, nos Estados Unidos e no Brasil. Algumas já são
conhecidas, através de exemplares originais realizados pela artista, já
localizados. Uma devolve ao público a obra exposta na individual de 1914,
reconhecível em fotografia da mostra (O colega, 1911/13); duas dão
indícios sobre possíveis peças expostas em 1917/18 e 1922. Outras revelaram
imagens até então desconhecidas. Quatro delas ainda levantam questões e pedem
maior estudo.
Visando a recuperação, o estudo e a divulgação
dessas obras constantes nas matrizes preservadas, o Instituto de Estudos
Brasileiros realizou uma primeira etapa, de pesquisa, catalogação e recuperação
do material calcográfico, trabalho realizado em 1996/97 por Ana Paula
Felicíssimo de Camargo Lima (Bolsa de Artes VITAE), contando com a assessoria e
experiência de Carlos Martins e o exemplo de profissionais e museus que
realizaram trabalhos semelhantes. As placas apresentavam oxidações, algumas
atenuadas; outras permaneceram, pois se manteve como diretriz primeira
respeitar e preservar os traços, as escolhas e a intenção da artista.
O resultado possibilitou esta segunda etapa, a
impressão póstuma documental, exemplar que permite o estudo de cada uma das
imagens gravadas, complementando as matrizes da Coleção Anita Malfatti no
IEB-USP. A presente exposição apresenta pela primeira vez essas imagens
recuperadas, em uma impressão documental museológica, na qual, como foi dito,
insinuam-se marcas da passagem do tempo, manchas ou sinais devidos às
alterações do metal no decorrer dos cerca de 90 anos, que medeiam a incisão das
placas realizada por Anita Malfatti e esta impressão no ano de 2005.
A exposição apresenta ainda documentos do arquivo da
artista, relacionados com as gravuras. Entre os cadernos de desenho doados, um
em especial fornece dados sobre a gravadora na época em que esteve nos Estados
Unidos, com anotações de aulas e esboços de gravuras.
Nesta segunda etapa ocorre, ainda, a primeira
tiragem póstuma de gravura de Anita Malfatti, realizada com a autorização da
família e dentro dos parâmetros de salvaguarda já indicados. A tiragem segue o
exemplo do modo como gabinetes de gravura de vários países e museus brasileiros
vêm processando e divulgando seus acervos de matrizes.
O projeto contou com o suporte da Pró-Reitoria de
Cultura e Extensão Universitária da USP, assim como o apoio da Direção e demais
setores do IEB-USP, da família da pintora e de profissionais e instituições
consultados ao longo do trabalho, a quem agradecemos.
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