quinta-feira, 16 de maio de 2013

A outra face de Anita

Entrou em cartaz no dia 6 de abril a exposição ANITA – Gravadora na Pinacoteca Municipal, uma parceria da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul com o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.


É com grande prazer que a Fundação abriga esta mostra, que traz um lado pouco conhecido de Anita Malfatti, artista que teve lugar de destaque na vanguarda da arte brasileira e na cultura da Modernidade.


Suas pinturas já são reconhecidas como obras de arte em todo o mundo, mas agora queremos trazer ao público suas gravuras. Para complementar o trabalho desenvolvido na Pinacoteca, a Fundação preparou algumas atividades paralelas, entre elas encontros com professores e a palestra Anita Malfatti - Caminhos da Modernidade, que será realizada hoje (16), às 19h, na sede da entidade (Av. Dr. Augusto de Toledo, n° 255, Bairro Santa Paula, São Caetano do Sul). Ela será ministrada pela historiadora da Fundação Pró-Memória Mariana Zenaro.


Para aqueles que já foram visitar a exposição, que pretendem conhecê-la ou ainda querem obter mais informações desta grande pintora, a Pró-Memória convida a ler, refletir e comentar o texto abaixo, escrito por Marta Rossetti Batista e Ana Paula Felicissimo de Camargo Lima, que fizeram parte do projeto de recuperação das matrizes de Anita Malfatti.

 

Anita Malfatti gravadora - uma recuperação

 

Marta Rossetti Batista e Ana Paula Felicissimo de Camargo Lima, responsáveis pelo projeto

 

Marco inicial do movimento modernista, com sua polêmica exposição de 1917/18 em São Paulo, a pintora Anita Malfatti (1889-1964) é sobejamente reconhecida por aquela produção pioneira, em especial as telas então apresentadas e novamente exibidas na Semana de Arte Moderna de 1922. Obras como A estudante russa, O japonês e O homem amarelo, realizadas em 1915/16 e adquiridas anos depois por seu amigo e incentivador Mário de Andrade. O escritor colecionou ainda outras obras da artista, entre elas seu retrato e o autorretrato de Anita, testemunhos da convivência de ambos em 1922. Estes trabalhos introduzem a presente exposição, dedicada a outro aspecto da obra de Anita Malfatti menos divulgado, a gravura. Aliás, o colecionador Mário de Andrade também esteve atento a este aspecto, pois guardou uma gravura da artista, Moça sentada (perfil), provavelmente realizada na Alemanha (1911/13). Obra que lembra de imediato a atuação de Anita Malfatti como gravadora nos anos 10 do século XX, com peças expostas em São Paulo nas mostras históricas de 1917/18 e de 1922. Uma produção, portanto, também pioneira, que merece ser recuperada. Seriam as primeiras gravuras modernas executadas por um artista brasileiro.

São raras as informações sobre seu aprendizado na arte da gravura, e mesmo sobre o total de seus trabalhos, possivelmente não muito numerosos. Sabe-se que iniciou seu estudo em Berlim, entre 1911 e 1913, e dedicou-se à gravação em metal. Ao retornar, apresentou sua produção numa primeira exposição individual em São Paulo, em maio/junho de 1914. Dos 33 itens listados no catálogo, um bloco se referia às águas-fortes (8 títulos) tendo como tema retratos e paisagens. Alguns retratos, hoje identificados, mostram trabalhos sensíveis e delicados, além da experimentação com algumas técnicas. Em Nova York, continuou a gravar, tendo aulas na Art Students League em 1915 e 1916. Vários destes trabalhos participaram da exposição individual de 1917/18 em São Paulo. Das 53 entradas do catálogo, 11 eram gravuras, especificadas pela artista como ponta-seca, água-forte, ou água-tinta, duas delas coloridas. Uma ou duas vinham da fase anterior e outras duas, pelo título, teriam sido realizadas já no Brasil. Na Semana de Arte Moderna de 1922, no resumo-homenagem dos modernistas à individual de 1917/18, Anita teria reapresentado possivelmente duas gravuras da mostra histórica (embora não haja especificação sobre as técnicas no catálogo).

Após os estágios na Alemanha e nos Estados Unidos, há indícios, como o apontado, de que por um tempo Anita Malfatti continuou a gravar, ainda que esporadicamente. Vendeu uma ou outra cópia nas individuais, deu algumas de presente. Não contava, entretanto, com um possível mercado para seus trabalhos. Talvez por essa e outras razões tenha deixado a arte da gravura, não realizando nem mesmo as tiragens habituais de suas matrizes. São conhecidos raros exemplares de algumas gravuras; sabe-se de outras, relacionadas nas exposições, nunca localizadas. Assim, o Instituto de Estudos Brasileiros sente-se honrado em poder recuperar e divulgar parte dessa atividade pioneira, através da presente exposição.

Esta recuperação parcial tornou-se possível graças à doação da família Malfatti ao IEB-USP, nas comemorações do centenário de nascimento da artista, em 1989. A doação incluiu o arquivo pessoal da pintora (fotos, documentos, manuscritos, catálogos, cartas, recortes), cadernos de desenho de vários períodos e, ainda, matrizes de gravura localizadas anos depois do falecimento de Anita Malfatti. Sobreviveram 22 placas de metal (cobre, zinco, latão e alumínio), uma sem gravação, outras com incisões frente e verso, correspondendo a 20 obras. Na maioria, trabalhos monocromáticos, placas de pequena dimensão, revelando texturas e linhas profundamente marcadas, e retratos simplesmente definidos em linhas incisas. Recuperaram imagens gravadas na Alemanha, nos Estados Unidos e no Brasil. Algumas já são conhecidas, através de exemplares originais realizados pela artista, já localizados. Uma devolve ao público a obra exposta na individual de 1914, reconhecível em fotografia da mostra (O colega, 1911/13); duas dão indícios sobre possíveis peças expostas em 1917/18 e 1922. Outras revelaram imagens até então desconhecidas. Quatro delas ainda levantam questões e pedem maior estudo.

Visando a recuperação, o estudo e a divulgação dessas obras constantes nas matrizes preservadas, o Instituto de Estudos Brasileiros realizou uma primeira etapa, de pesquisa, catalogação e recuperação do material calcográfico, trabalho realizado em 1996/97 por Ana Paula Felicíssimo de Camargo Lima (Bolsa de Artes VITAE), contando com a assessoria e experiência de Carlos Martins e o exemplo de profissionais e museus que realizaram trabalhos semelhantes. As placas apresentavam oxidações, algumas atenuadas; outras permaneceram, pois se manteve como diretriz primeira respeitar e preservar os traços, as escolhas e a intenção da artista.

O resultado possibilitou esta segunda etapa, a impressão póstuma documental, exemplar que permite o estudo de cada uma das imagens gravadas, complementando as matrizes da Coleção Anita Malfatti no IEB-USP. A presente exposição apresenta pela primeira vez essas imagens recuperadas, em uma impressão documental museológica, na qual, como foi dito, insinuam-se marcas da passagem do tempo, manchas ou sinais devidos às alterações do metal no decorrer dos cerca de 90 anos, que medeiam a incisão das placas realizada por Anita Malfatti e esta impressão no ano de 2005.

A exposição apresenta ainda documentos do arquivo da artista, relacionados com as gravuras. Entre os cadernos de desenho doados, um em especial fornece dados sobre a gravadora na época em que esteve nos Estados Unidos, com anotações de aulas e esboços de gravuras.

Nesta segunda etapa ocorre, ainda, a primeira tiragem póstuma de gravura de Anita Malfatti, realizada com a autorização da família e dentro dos parâmetros de salvaguarda já indicados. A tiragem segue o exemplo do modo como gabinetes de gravura de vários países e museus brasileiros vêm processando e divulgando seus acervos de matrizes.

O projeto contou com o suporte da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP, assim como o apoio da Direção e demais setores do IEB-USP, da família da pintora e de profissionais e instituições consultados ao longo do trabalho, a quem agradecemos.

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