terça-feira, 21 de maio de 2013

Para ler, respirar e se divertir


Escrever exercitando o livre arbítrio e a imaginação, tudo misturado e temperado com humor, suspense e nonsense, como pode acontecer nos livros. Foi assim que desenvolvi a instalação e o texto abaixo para o projeto Letras da Imaginação, da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, em parceria com Biblioteca Paul Harris, Academia de Letras da Grande São Paulo e Academia Popular de Letras. Ao entrar no prédio da entidade, o visitante encontra no hall uma grande cascata de livros, dois displays em forma de roupas confeccionadas com livros, ao lado dos livros-relicários e livro do artista, criados por Renato Brancatelli e Regis Ribeiro, respectivamente. Agora, antes começar, preste atenção na sua respiração... inspire.... expire... Boa leitura!

dixitque Deus: ‘fiat lux!’ et lux facta est.

João Alberto Tessarini*

publicitário da área de criação, redator e designer gráfico. Artista plástico, desenhista, escultor, gravador, com participação em exposições coletivas e individuais. Criador do Hib, o pássaro com dois corações, anfitrião do Ateliê Pedagógico da Pinacoteca Municipal de São Caetano do Sul.

Há muito tempo, numa galáxia distante... Nada menos original para começar esse texto, nada mais forte para contextualizar o que virá e que vai abalar a história da humanidade como a conhecemos hoje. Mas vamos lá, não tema, leia. Leia bem devagar: b  i   b   l   i   ó   f   i   l   o. Agora, feche os olhos e preste atenção na sua respiração, acompanhe o ar entrando e saindo dos seus pulmões.........inspire............expire...........faça isso durante dez segundos. (.......................................................) Fez? Não!? Por favor, não é brincadeira, é importante! Antes de continuar a leitura, faça esse exercício. ( ........................................) Fez? Ótimo. Agora podemos continuar. Leia bem devagar: b i  b   l   i   ó   f   i   l   o. No dicionário você encontra a seguinte definição: pessoa que tem amor aos livros – colecionador de livros.
Essa instalação – uma grande cascata de livros e displays em forma de roupas confeccionadas com livros que continuam expostos no hall da Fundação Pró-Memória - foi pensada para comemorarmos o “Dia Internacional do Livro”, oportunidade para fazermos uma reflexão sobre o nosso protagonismo desde o Jardim do Éden, registrado em prosa e verso, uma saga que tem gerado justamente os livros, em número impossível de precisar, e homenagear os “humanuslerolerum” que já estão entre nós há muitos séculos, comunicando-se através dos livros e de outras plataformas e que hora dessas podem fazer um contato imediato de primeiro grau, uma grande celebração. Primeiro o olho no olho, em seguida, e eu acredito nisso, um grande e caloroso abraço. Desse abraço para o grande salto quântico da humanidade. Exagero? Ficção científica? Conto, romance ou um haikai do Mário Quintana: “Em meio à ossaria uma caveira piscava-me. Havia um vagalume dentro dela.”
Com certeza você já teve um livro nas mãos, independente de ser um bibliófilo. Com certeza já necessitou saber o significado de uma palavra. Gosto muito de dicionários: cas.ca.ta / sf (ital cascata) 1 Queda de água, natural ou artificial, que se precipita de pequena ou grande altura. 2Eletr Arranjo das partes de um circuito ou elementos em um circuito, de modo que a corrente toda passe através de cada parte ou elemento sem divisão ou ramificação. 3gír Parolagem, bazófia, conversa-fiada. Conto da cascata, gíria entre ladrões, certo tipo de vigarice. (dicionário Michaelis).
dixitque Deus: ‘fiat lux!’ et lux facta est. E Deus disse: “faça-se a luz!” e a luz foi feita (Gênesis 1). Como estou escrevendo com o livre arbítrio concedido, portanto, posso especular sobre a cena do Fiat Luxe e correr o risco de escrever que foi assim – No começo existia Deus, que sempre existiu, em um grande lugar escuro como breu e nessa escuridão um casal nu. Daí, Deus que, entre outros poderes, enxerga no escuro disse, olhando para o casal: 'Faça-se a luz'. E a luz se fez. O casal entreolhou-se do Caburaí ao Chuí e não entendeu nada. Era o começo dessa nossa deficiência de olhar e não enxergar as coisas. O casal, que já tinha na gênese do seu DNA a curiosidade, voltou a se olhar e, em seguida, esmiuçar o entorno onde chamou a atenção uma sedutora maçã, que eu esqueci de dizer que já estava na cena ainda sem a luz. Assim como já estavam outros animais, plantas, minerais e todas as possibilidades para todas as invenções que viriam. Depois de deslumbrarem tudo, bateu aquela sensação de fome e os dois instintivamente se engalfinharam, rolaram pelo chão e ao mesmo tempo agarraram a maçã e deram a primeira mordida do Universo, assim como a conhecemos. Então, Deus ponderou que o casal deveria ter um norte além de comer as maçãs que viriam e determinou que eles fossem até a super, hiper, megabiblioteca, Paradise Books, e vestissem uma das roupas mágicas, aquelas confeccionadas com livros, que isso abriria todas as portas e janelas do Paraíso para que a luz, em todo o seu esplendor, iluminasse aquele lugar que foi criado para eles. Um lugar para curtir e compartilhar diferenças culturais, uma antropofagia das ideias. Tudo era muito perto no Paraíso, disso surgiu a inspiração para um livro famoso intitulado “Longe é um lugar que não existe”, escrito por Richard Bach. Voltando um pouco, tudo era muito perto da estação Paraíso do Metrô, foi subir via escada rolante, atravessar a rua e entrar na biblioteca que não fechava nunca, e o casal primordial escolheu suas vestimentas poderosas entre milhares de prateleiras onde também encontravam-se papiros egípcios, tabuletas cuneiformes dos sumérios, os clichês e os tipos móveis do Gutenberg, gibis com os super-heróis, contos de fadas, sinopses de obras em aberto, como a Bíblia e o Alcorão, para quem quisesse escrever algum capítulo inspirado diretamente por Deus, e uma prateleira com iluminação diferenciada, onde acima dos livros expostos via-se uma placa de madeira, letras entalhadas em baixo relevo, com a seguinte inscrição: Livros que serão queimados na Idade Média e outras. Enfim, objetos sagrados à disposição de todos para o exercício da organização dos pensamentos. 
Jean-Philippe de Tonnac, no livro “Não contem com o fim do livro”, escrito por Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, cita Fernando Bez que, por sua vez, cita em sua História da destruição dos livros João Crosóstomo evocando algumas pessoas, no século IV, que carregavam em volta do pescoço velhos manuscritos para se protegerem do poder do mal.
Mesmo correndo o risco de ser queimado em alguma fogueira, afirmo que somos os tipos móveis do Johannes Gutemberg. Juntos, temos criado, formado palavras para expressarem nossa natureza como “artesãos do oitavo dia” (expressão cunhada pelo filósofo Hubert Reeves com livro de mesmo nome) Somos múltiplos, nascemos para compartilhar e curtir nossa natureza divina. Penso que, usar a expressão natureza divina é apropriado diante da constatação da nossa pequenez em relação a grandeza do Universo. Paradoxo? Não quando entendemos que somos partícula, uno, verso. Reafirmando o nosso protagonismo dentro de uma história tão grande, com a necessidade de tantas palavras, e baseado nas comprovações científicas do uso de extensões, como próteses e ferramentas (leia o livro "Muito além do nosso eu", do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis), é que ouso convidar você a perceber-se em constante e infinito movimento de expansão e recolhimento. De novo, cinco segundos, inspire...... expire. Somos não só a humanidade, somos os animais, os minerais, os fenômenos meteorológicos, as alegrias e tristezas, o iPad, o cristal líquido, os automóveis, a nanotecnologia, os roteiros das viagens, o balanço no quintal, o movimento do balanço, o lago onde mergulhamos e a água que bebemos, o chão que pisamos, somos aquele pó da frase famosa (Gênesis 3.19), etc, etc (Et cetera também et cætera - et cet·er·a neutro plural), de forma reduzida etc., é a expressão de origem latina que significa "e os restantes" ou "e outras coisas mais". É normalmente utilizada no final de uma frase para representar a continuação lógica de uma série ou enumeração – fonte: Wikipédia, a polêmica enciclopédia eletrônica). Somos os livros que escrevemos e lemos. Por isso, assim como Umberto Eco e Jean-Claude Carrière disseram em “Não contem com o fim do livro”, eu digo, respondendo à questão colocada no início desse texto, um dia, por entendimento, por amor à tudo que significa a nossa existência, independente dessa ou daquela plataforma para a nossa expressão, ou até da não necessidade de próteses e ferramentas para isso, acrescentaremos à nossa denominação homo sapiens o sentido da palavra bibliófilo. Só não sei se antes ou depois.
Já que estou escrevendo, deixa experimentar: homo sapiens bibliófilo..... bibliófilo homo sapiens. É, não sei. Só sei que preciso citar novamente o general romano Pompeu (em 70 a.C.) que inspirou o português Fernando Pessoa: Navigarenecesse, vivere non necesse. Navegar é preciso, viver não é preciso. Consciente da minha ignorância inata, que é força propulsora, necessito continuamente experimentar das muitas artes, entre elas ler e escrever, inspirar e expirar. Tchau, arrivederci. Grande e caloroso abraço.

Notas importantes:
A -Humanuslerolerum -homo sapiens grafado em contração e pleno em sabedoria= humanus / lero= pensar / lerum= falar, ou seja, criatura em liberdade, plena em sabedoria, que pensa e fala. 
B - O menino que habita em mim vai reler a História sem fim do Michael Ende.
C - “ Como é belo um livro, que foi pensado para ser tomado nas mãos, até na cama, até num barco, até onde não existam tomadas elétricas, até onde e quando qualquer bateria se descarregou. Suporta marcadores e cantos dobrados, e pode ser derrubado no chão ou abandonado sobre peito ou joelhos quando caímos no sono”. Depois de ler essa frase de autoria do Umberto Eco, entalhada na parede principal da lanchonete da biblioteca, o casal do Paraíso, ambos nascidos no mês de Dezembro, portanto sob o signo de Capricórnio, e tudo indicando serem do Segundo Decanato, como eu, não resistindo que estavam dentro da biblioteca, foram até a prateleira dos jornais e no ESTADÃO de 18 de abril de 2013 leram as reflexões horoscopistas do bruxo Quiroga: “Dizer as palavras certas é o que todo mundo quer. É a esperança de a alma ser tão sedutora que as suas palavras se transformam em energias irresistíveis. Isto é completamente possível, mas é raro acontecer.” Ele disse “raro”, então inspire..... expire... é importante que você tome posse de toda a sua natureza, agora, aceite o meu convite e vamos em busca desse Santo Graal.
AnnoDomini 2013 – escreveu: João Alberto Tessarini


Crédito da foto: Priscila Tessarini

11 comentários:

  1. Inspire.....respire.....e assim me deixei levar por essa narrativa maravilhosa desse menino/homem, escultor, artista plástico que possui em sua natureza o dom de encantar. Seja através da forma de sua criação (HIB - o pássaro de dois corações) seja na forma de escrever.
    Um dia eu aprendo com você João, essa delicada forma de ver e enxergar o mundo, as pessoas e todos os seres viventes.
    Até a próxima. Angela Escribano

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  2. Obrigada pelo comentário! Volte sempre! E, que a cada novo post, possamos lhe surpreender Angela!

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  3. Caro confrade João Alberto Tessarini!
    Atendendo seu irrecusável convite tive a gratíssima satisfação de ler o encantador texto que sua maravilhosa verve nos brindou!
    É auspicioso saber que - neste maltratado e fascinante mundo que vivemos - temos a prerrogativa de encontrar um ser vivente, como você, que nos dá esperança de dias melhores num mundo harmonioso!
    Caloroso abraço! Saudações criativas!
    Até breve...
    João Paulo de Oliveira
    Diadema-SP


    PS - Estou com saudades do HIB...
    Não vejo a hora de ver o HIB embarcar no vagão do Expresso do Oriente sob meu comando
    http://joaopauloinquiridor.blogspot.com.br/

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  4. Obrigada pelo comentário João! Continue nos acompanhando! E, claro, o convite para o envio de textos para o blog está sempre aberto! Eles podem ser enviados pelo email jornalismo@fpm.org.br.

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  5. Maria Angela dos Santos Escribano, o menino que habita em mim saúda a menina que habita em você. A generosidade dos amigos estimula a minha busca pelas melhores palavras, pensamentos e gestos. Grato por prestigiar e compartilhar o blog da Fundação Pró-Memória. Abraços meus e do Hib que aguarda a sua visita ao Ateliê Pedagógico.

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  6. João Paulo de Oliveira, grato por prestigiar o blog da Fundação Pró-Memória. Uma alegria você compartilhar sobre o sentimento de esperança, primeiro passo para as transformações criativas no mundo. Abraços meus e do Hib que ficou feliz por ser fotografado e apresentado aos seus amigos no http://joaopauloinquiridor.blogspot.com.br/.

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  7. Maria Mercedes Xavier Uzuelli, fiquei feliz que você tenha lido, respirado e se divertido com o meu texto, todo misturado e temperado com humor, suspense e nonsense. Grato por prestigiar o blog da Fundação Pró-Memória.

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  8. João Alberto Tessarini, continue a experimentar "SEMPRE", assim você nos brindará "SEMPRE" com suas ótimas reflexões que repousam em sua sabedoria e afloram através de suas sensíveis ações com a arte.

    homo sapiens bibliófilo... bibliófilo homo sapiens. Gostei do Segundo.


    Gesiel.

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    1. Caríssimo amigo Gesiel - "experimentar sempre" - esse é um mantra para todos os dias. Grato. Espero revê-lo(s) em breve. Abraços.

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  9. Caríssimo amigo Gesiel - "experimentar sempre" - esse é um mantra para todos os dias. Grato. Espero revê-lo(s) em breve. Abraços.

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