Escrever
exercitando o livre arbítrio e a imaginação, tudo misturado e temperado com
humor, suspense e nonsense, como pode
acontecer nos livros. Foi assim que desenvolvi a instalação
e o texto abaixo para o projeto Letras da
Imaginação, da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, em parceria com
Biblioteca Paul Harris, Academia de Letras da Grande São Paulo e Academia
Popular de Letras. Ao entrar no prédio da entidade, o visitante encontra no
hall uma grande cascata de livros, dois displays em forma de roupas
confeccionadas com livros, ao lado dos livros-relicários e livro do artista,
criados por Renato Brancatelli e Regis Ribeiro, respectivamente. Agora, antes
começar, preste atenção na sua respiração... inspire.... expire...
Boa leitura!
dixitque Deus:
‘fiat lux!’ et lux facta est.
João
Alberto Tessarini*
*É publicitário da área de criação, redator e designer gráfico. Artista plástico, desenhista, escultor, gravador,
com participação em exposições coletivas e individuais. Criador do Hib, o
pássaro com dois corações, anfitrião do Ateliê Pedagógico da Pinacoteca Municipal de São
Caetano do Sul.
Há
muito tempo, numa galáxia distante... Nada menos original para começar esse
texto, nada mais forte para contextualizar o que virá e que vai abalar a
história da humanidade como a conhecemos hoje. Mas vamos lá, não tema, leia.
Leia bem devagar: b i b l
i ó f
i l o. Agora, feche os olhos e preste atenção na
sua respiração, acompanhe o ar entrando e saindo dos seus pulmões.........inspire............expire...........faça
isso durante dez segundos.
(.......................................................) Fez? Não!? Por favor,
não é brincadeira, é importante! Antes de continuar a leitura, faça esse
exercício. ( ........................................) Fez? Ótimo. Agora
podemos continuar. Leia bem devagar: b i
b l i
ó f i
l o. No dicionário você encontra
a seguinte definição: pessoa que tem amor aos livros – colecionador de livros.
Essa
instalação – uma grande cascata de livros e displays em forma de roupas
confeccionadas com livros que continuam expostos no hall da Fundação Pró-Memória - foi pensada para comemorarmos o “Dia Internacional
do Livro”, oportunidade para fazermos uma reflexão sobre o nosso protagonismo
desde o Jardim do Éden, registrado em prosa e verso, uma saga que tem gerado
justamente os livros, em número impossível de precisar, e homenagear os
“humanuslerolerum” que já estão entre nós há muitos séculos, comunicando-se
através dos livros e de outras plataformas e que hora dessas podem fazer um
contato imediato de primeiro grau, uma grande celebração. Primeiro o olho no
olho, em seguida, e eu acredito nisso, um grande e caloroso abraço. Desse
abraço para o grande salto quântico da humanidade. Exagero? Ficção científica?
Conto, romance ou um haikai do Mário Quintana: “Em meio à ossaria uma caveira
piscava-me. Havia um vagalume dentro dela.”
Com
certeza você já teve um livro nas mãos, independente de ser um bibliófilo. Com
certeza já necessitou saber o significado de uma palavra. Gosto muito de
dicionários: cas.ca.ta / sf (ital cascata) 1 Queda de água, natural ou artificial,
que se precipita de pequena ou grande altura. 2Eletr Arranjo das partes de um
circuito ou elementos em um circuito, de modo que a corrente toda passe através
de cada parte ou elemento sem divisão ou ramificação. 3gír Parolagem, bazófia,
conversa-fiada. Conto da cascata, gíria entre ladrões, certo tipo de vigarice.
(dicionário Michaelis).
dixitque
Deus: ‘fiat lux!’ et lux facta est. E Deus disse: “faça-se a luz!” e a luz foi
feita (Gênesis 1). Como estou escrevendo com o livre arbítrio concedido, portanto,
posso especular sobre a cena do Fiat Luxe e correr o risco de escrever que foi
assim – No começo existia Deus, que sempre existiu, em um grande lugar escuro
como breu e nessa escuridão um casal nu. Daí, Deus que, entre outros poderes,
enxerga no escuro disse, olhando para o casal: 'Faça-se a luz'. E a luz se fez. O
casal entreolhou-se do Caburaí ao Chuí e não entendeu nada. Era o começo dessa
nossa deficiência de olhar e não enxergar as coisas. O casal, que já tinha na
gênese do seu DNA a curiosidade, voltou a se olhar e, em seguida, esmiuçar o
entorno onde chamou a atenção uma sedutora maçã, que eu esqueci de dizer que já
estava na cena ainda sem a luz. Assim como já estavam outros animais, plantas,
minerais e todas as possibilidades para todas as invenções que viriam. Depois
de deslumbrarem tudo, bateu aquela sensação de fome e os dois instintivamente
se engalfinharam, rolaram pelo chão e ao mesmo tempo agarraram a maçã e deram a
primeira mordida do Universo, assim como a conhecemos. Então, Deus ponderou que
o casal deveria ter um norte além de comer as maçãs que viriam e determinou que
eles fossem até a super, hiper, megabiblioteca, Paradise Books, e vestissem uma
das roupas mágicas, aquelas confeccionadas com livros, que isso abriria todas
as portas e janelas do Paraíso para que a luz, em todo o seu esplendor,
iluminasse aquele lugar que foi criado para eles. Um lugar para curtir e
compartilhar diferenças culturais, uma antropofagia das ideias. Tudo era muito
perto no Paraíso, disso surgiu a inspiração para um livro famoso intitulado
“Longe é um lugar que não existe”, escrito por Richard Bach. Voltando um pouco,
tudo era muito perto da estação Paraíso do Metrô, foi subir via escada rolante,
atravessar a rua e entrar na biblioteca que não fechava nunca, e o casal
primordial escolheu suas vestimentas poderosas entre milhares de prateleiras
onde também encontravam-se papiros egípcios, tabuletas cuneiformes dos
sumérios, os clichês e os tipos móveis do Gutenberg, gibis com os super-heróis,
contos de fadas, sinopses de obras em aberto, como a Bíblia e o Alcorão, para
quem quisesse escrever algum capítulo inspirado diretamente por Deus, e uma
prateleira com iluminação diferenciada, onde acima dos livros expostos via-se
uma placa de madeira, letras entalhadas em baixo relevo, com a seguinte
inscrição: Livros que serão queimados na Idade Média e outras. Enfim, objetos
sagrados à disposição de todos para o exercício da organização dos
pensamentos.
Jean-Philippe
de Tonnac, no livro “Não contem com o fim do livro”, escrito por Umberto Eco e
Jean-Claude Carrière, cita Fernando Bez que, por sua vez, cita em sua História da destruição
dos livros João Crosóstomo evocando algumas pessoas, no século IV, que
carregavam em volta do pescoço velhos manuscritos para se protegerem do poder
do mal.
Mesmo
correndo o risco de ser queimado em alguma fogueira, afirmo que somos os tipos
móveis do Johannes Gutemberg. Juntos, temos criado, formado palavras para
expressarem nossa natureza como “artesãos do oitavo dia” (expressão cunhada
pelo filósofo Hubert Reeves com livro de mesmo nome) Somos múltiplos, nascemos
para compartilhar e curtir nossa natureza divina. Penso que, usar a expressão
natureza divina é apropriado diante da constatação da nossa pequenez em relação
a grandeza do Universo. Paradoxo? Não quando entendemos que somos partícula,
uno, verso. Reafirmando o nosso protagonismo dentro de uma história tão grande,
com a necessidade de tantas palavras, e baseado nas comprovações científicas do
uso de extensões, como próteses e ferramentas (leia o livro "Muito além do nosso
eu", do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis), é que ouso convidar você a
perceber-se em constante e infinito movimento de expansão e recolhimento. De
novo, cinco segundos, inspire...... expire. Somos não só a humanidade, somos os
animais, os minerais, os fenômenos meteorológicos, as alegrias e tristezas, o iPad,
o cristal líquido, os automóveis, a nanotecnologia, os roteiros das viagens, o
balanço no quintal, o movimento do balanço, o lago onde mergulhamos e a água
que bebemos, o chão que pisamos, somos aquele pó da frase famosa (Gênesis
3.19), etc, etc (Et cetera também et cætera - et cet·er·a neutro plural), de
forma reduzida etc., é a expressão de origem latina que significa "e os
restantes" ou "e outras coisas mais". É normalmente utilizada no
final de uma frase para representar a continuação lógica de uma série ou
enumeração – fonte: Wikipédia, a polêmica enciclopédia eletrônica). Somos os
livros que escrevemos e lemos. Por isso, assim como Umberto Eco e Jean-Claude
Carrière disseram em “Não contem com o fim do livro”, eu digo, respondendo à
questão colocada no início desse texto, um dia, por entendimento, por amor à
tudo que significa a nossa existência, independente dessa ou daquela plataforma
para a nossa expressão, ou até da não necessidade de próteses e ferramentas
para isso, acrescentaremos à nossa denominação homo sapiens o sentido da
palavra bibliófilo. Só não sei se antes ou depois.
Já
que estou escrevendo, deixa experimentar: homo sapiens bibliófilo.....
bibliófilo homo sapiens. É, não sei. Só sei que preciso citar novamente o
general romano Pompeu (em 70 a.C.) que inspirou o português Fernando Pessoa:
Navigarenecesse, vivere non necesse. Navegar é preciso, viver não é preciso.
Consciente da minha ignorância inata, que é força propulsora, necessito
continuamente experimentar das muitas artes, entre elas ler e escrever,
inspirar e expirar. Tchau, arrivederci. Grande e caloroso abraço.
Notas
importantes:
A
-Humanuslerolerum -homo sapiens grafado em contração e pleno em sabedoria=
humanus / lero= pensar / lerum= falar, ou seja, criatura em liberdade, plena em
sabedoria, que pensa e fala.
B
- O menino que habita em mim vai reler a História sem fim do Michael Ende.
C
- “ Como é belo um livro, que foi pensado para ser tomado nas mãos, até na
cama, até num barco, até onde não existam tomadas elétricas, até onde e quando
qualquer bateria se descarregou. Suporta marcadores e cantos dobrados, e pode
ser derrubado no chão ou abandonado sobre peito ou joelhos quando caímos no
sono”. Depois de ler essa frase de autoria do Umberto Eco, entalhada na parede
principal da lanchonete da biblioteca, o casal do Paraíso, ambos nascidos no
mês de Dezembro, portanto sob o signo de Capricórnio, e tudo indicando serem do
Segundo Decanato, como eu, não resistindo que estavam dentro da biblioteca,
foram até a prateleira dos jornais e no ESTADÃO de 18 de abril de 2013 leram as
reflexões horoscopistas do bruxo Quiroga: “Dizer as palavras certas é o que todo
mundo quer. É a esperança de a alma ser tão sedutora que as suas palavras se
transformam em energias irresistíveis. Isto é completamente possível, mas é
raro acontecer.” Ele disse “raro”, então inspire..... expire... é importante
que você tome posse de toda a sua natureza, agora, aceite o meu convite e vamos
em busca desse Santo Graal.
AnnoDomini
2013 – escreveu: João Alberto Tessarini
Crédito da foto: Priscila Tessarini
Inspire.....respire.....e assim me deixei levar por essa narrativa maravilhosa desse menino/homem, escultor, artista plástico que possui em sua natureza o dom de encantar. Seja através da forma de sua criação (HIB - o pássaro de dois corações) seja na forma de escrever.
ResponderExcluirUm dia eu aprendo com você João, essa delicada forma de ver e enxergar o mundo, as pessoas e todos os seres viventes.
Até a próxima. Angela Escribano
Obrigada pelo comentário! Volte sempre! E, que a cada novo post, possamos lhe surpreender Angela!
ResponderExcluirCaro confrade João Alberto Tessarini!
ResponderExcluirAtendendo seu irrecusável convite tive a gratíssima satisfação de ler o encantador texto que sua maravilhosa verve nos brindou!
É auspicioso saber que - neste maltratado e fascinante mundo que vivemos - temos a prerrogativa de encontrar um ser vivente, como você, que nos dá esperança de dias melhores num mundo harmonioso!
Caloroso abraço! Saudações criativas!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Diadema-SP
PS - Estou com saudades do HIB...
Não vejo a hora de ver o HIB embarcar no vagão do Expresso do Oriente sob meu comando
http://joaopauloinquiridor.blogspot.com.br/
Obrigada pelo comentário João! Continue nos acompanhando! E, claro, o convite para o envio de textos para o blog está sempre aberto! Eles podem ser enviados pelo email jornalismo@fpm.org.br.
ResponderExcluirMaria Angela dos Santos Escribano, o menino que habita em mim saúda a menina que habita em você. A generosidade dos amigos estimula a minha busca pelas melhores palavras, pensamentos e gestos. Grato por prestigiar e compartilhar o blog da Fundação Pró-Memória. Abraços meus e do Hib que aguarda a sua visita ao Ateliê Pedagógico.
ResponderExcluirJoão Paulo de Oliveira, grato por prestigiar o blog da Fundação Pró-Memória. Uma alegria você compartilhar sobre o sentimento de esperança, primeiro passo para as transformações criativas no mundo. Abraços meus e do Hib que ficou feliz por ser fotografado e apresentado aos seus amigos no http://joaopauloinquiridor.blogspot.com.br/.
ResponderExcluirentão...........
ResponderExcluirgostei.
Maria Mercedes Xavier Uzuelli, fiquei feliz que você tenha lido, respirado e se divertido com o meu texto, todo misturado e temperado com humor, suspense e nonsense. Grato por prestigiar o blog da Fundação Pró-Memória.
ResponderExcluirJoão Alberto Tessarini, continue a experimentar "SEMPRE", assim você nos brindará "SEMPRE" com suas ótimas reflexões que repousam em sua sabedoria e afloram através de suas sensíveis ações com a arte.
ResponderExcluirhomo sapiens bibliófilo... bibliófilo homo sapiens. Gostei do Segundo.
Gesiel.
Caríssimo amigo Gesiel - "experimentar sempre" - esse é um mantra para todos os dias. Grato. Espero revê-lo(s) em breve. Abraços.
ExcluirCaríssimo amigo Gesiel - "experimentar sempre" - esse é um mantra para todos os dias. Grato. Espero revê-lo(s) em breve. Abraços.
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