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Profª Dra. Eliane Mimesse*
*É autora do livro “A Educação e os
Imigrantes Italianos: da escola de primeiras letras ao grupo escolar”, da
Editora Fundação Pró-Memória.
As crianças que
viveram no núcleo colonial de São Caetano do Sul, nas últimas décadas do século
XIX, tiveram suas vidas sempre acompanhadas pelos altos índices de mortalidade infantil.
Era corriqueira também a contratação das amas de leite (mães que perderam seus
filhos e podiam amamentar outras crianças que conviviam com doenças e
mortalidade). Não era raro que essas mulheres tivessem perdido um ou mais filhos
no nascimento ou antes deles completarem um ano de idade.
Giacomo
Garbelotto, um dos antigos colonos de São Caetano, enfatizou essa situação em
uma carta para um amigo, datada em 14 de fevereiro de 1889, na qual escreveu:
“Sem poder encontrar trabalho e com a perda dos próprios filhos, de sete e oito
anos, (...) estou aqui com Giacomo Dal Cin, que tem a filha doente e uma morreu
e a mulher está bem e te saúda”.
Nessa época, a
causa das mortes era devida às moléstias mais comuns como febre tifóide, malária,
febre amarela, varíola e coqueluche. Muitas das crianças morriam e os pais nem
sabiam qual era o motivo real, pois não existiam médicos residentes na
localidade de São Caetano. Em alguns dos depoimentos analisados, verificou-se
que as causas das mortes eram as mais diversas. Temos como exemplo o acontecido
com o irmão mais velho de dona Joana Fiorotti Zanini, que morreu depois de
levar um coice de um burro na cabeça. Há ainda o caso de dona Irene Marques
Biagi que contraiu uma doença, que poderia ser pneumonia, pouco antes da viagem
de vinda da família para o Brasil. Nesse mesmo depoimento, ela relata que seu
irmão faleceu com sarampo, após terem se instalado no país há uma semana.
Encontraram-se
vários relatos descrevendo que as famílias eram numerosas. Nesse sentido, a inexistência
da assistência médica institucionalizada em São Caetano contribuía para o
aumento das taxas de mortalidade e de moléstias. Algumas pessoas assumiram as
funções de benzedeiros e de parteiras. Essas últimas eram senhoras que ajudavam
mulheres durante o nascimento do bebê, e faziam o possível para que a mãe e a
criança sobrevivessem.
Em São Caetano,
nessa época, não havia nenhuma parteira. As mulheres que tinham condições de
saúde para se locomover iam até a casa da parteira que ficava do outro lado do
Rio Tamanduateí, em São Paulo. Ou então ela era chamada e trazida de charrete
para fazer o parto. Segundo dona Joana Fiorotti Zanini, sua mãe “foi na casa da
parteira, que tinha um quarto de propósito para as mulheres conhecidas”.
A morte prematura
de filhos recém-nascidos possibilitava que essas mães assumissem um novo tipo
de trabalho, considerado relevante para a sociedade da época: o de amas de
leite. A prática de amamentar os filhos dos mais abastados existia no Brasil
desde os primeiros tempos da colonização portuguesa. As escravas africanas adotavam
a função de amas de leite para assim alimentarem os filhos das famílias
brancas, e, consequentemente, acabavam prejudicando o aleitamento de seus
próprios filhos. Prevaleciam críticas a esta postura feminina da elite, pois as
italianas, assim como as escravas africanas, eram consideradas saudáveis a tal
ponto de poderem assumir o mesmo posto da mãe no quesito da amamentação. Dona
Joana relata que sua “mãe foi ama de leite quando um filho dela morreu [....] Não
sei se ele nasceu morto ou se morreu em seguida. Sei que ela tinha muito leite.
E, naquele tempo, os ricos não amamentavam os filhos, pois tinham uma ama em
casa”.
Como a alta taxa
de mortalidade infantil fazia parte do cotidiano, existiam padrões de
comportamento aceitos e seguidos por todos. Por conta desse índice, não havia
uma preocupação ampla por parte das famílias com o imediato registro oficial
dos nascimentos. As crianças eram batizadas na Igreja de São Caetano e quando o
pai da família tivesse tempo disponível, se deslocaria até o Tabelionato, localizado
na cidade de São Paulo, para registrá-las. Essa ação poderia ocorrer no mês
seguinte ou anos depois.
No entanto, os
nomes das crianças batizadas e consequentemente registradas no livro de batismos
da Igreja de São Caetano nem sempre eram os mesmos nomes pelos quais eram
registradas no Tabelionato de Registro Civil. Foi o que ocorreu com o senhor
Verino Segundo Ferrari, que somente soube que o seu nome era Verino ao solicitar
a certidão de nascimento para se alistar no serviço militar. Nesse caso, o
tempo entre o seu nascimento e o registro no órgão oficial foi quase que de imediato,
mas o nome da criança registrada no tabelionato era diferente do nome do
registro de batismo na igreja. O uso de ‘Segundo’ indicava que existiu outra pessoa
na família com esse nome. No caso de Verino, era um tio. Desse modo, ele era o
segundo de uma mesma família a adotá-lo.
Esse assunto nos
remete também a refletir sobre a inabilidade dos funcionários dos tabelionatos
na época. Grande parcela dos equívocos nas grafias com relação a nomes e
sobrenomes estrangeiros ocorria pela má compreensão na pronúncia dos imigrantes.
Os funcionários de registro civil não sabiam como escrevê-los corretamente,
sendo que, muitas vezes, pela dificuldade do idioma, acabavam por registrar denominações
que consideravam corretas, ou mesmo com uma ordenação equivocada, escrevendo o
sobrenome como se fosse nome e vice-versa.
Mas, para
contribuir com essa complexidade dos registros de nascimentos, é necessário explicar
que, nessa época, em algumas regiões da Europa, o comum era se escrever
primeiro o sobrenome e depois o nome na assinatura de quaisquer documentos.
A importância do
sobrenome era expressar a linhagem de uma determinada família, remontar sua
origem e vincular o indivíduo a localidades ou regiões. Como exemplo para essa
situação temos a listagem com a relação de moradores de São Caetano que
assinaram, em 1883, um abaixo-assinado. Algumas das 41 assinaturas estão aqui
reproduzidas: “Braido, Giuseppi; Garbeloto, Antonio; Baraldi, Primo Secondo;
Visentin, Pietro; Roveri, Filippo; De Nardi, Celeste”.
Pode-se ressaltar
ainda que, muitas vezes, as crianças recém-nascidas eram batizadas na igreja e registradas
no tabelionato apenas para não morrerem sem os sacramentos.
Vemos que os
problemas com as crianças eram diversos: alto índice de mortalidade infantil, inúmeras
doenças, além dos problemas com seus nomes e sobrenomes. Mas, apesar de todos
esses acontecimentos, muitas delas sobreviveram, tornaram-se adultos e em suas
memórias ainda guardam o cotidiano da época.
Ótima iniciativa da Fundação Pró-Memória! Parabéns!
ResponderExcluirObrigada pelo incentivo Allan! Continue nos acompanhando!
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa. Os textos estão incríveis.
ResponderExcluirAtravés deles lindas histórias sobre a presença italiana em São Paulo são reveladas.
Obrigada Elaine! Continue nos acompanhando! E, claro, o convite para envio de textos está sempre aberto. Você pode mandá-los pelo email jornalismo@fpm.org.br.
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